: NONA ENFERMARIA: CLÍNICA MÉDICA: 2012

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

TUBERCULOSE MILIAR E GANGLIONAR

TUBERCULOSE MILIAR E GANGLIONAR EM PACIENTE HIV POSITIVO:
RELATO DE CASO
PAIVA, A.F.A*;  SILVA, D.R*; COSTA, F.S**; VIGNOLI, G**; FERREIRA, W.L***; SANTOS, E***; LOPES PONTES, E***.
*Residentes de Clinica Médica da 9ªenfermaria do HGSM-RJ
**Internos da Faculdade de Medicina da FTESM
***Docentes da Cadeira de Clinica Médica da Faculdade de Medicina da FTESM



INTRODUÇÃO: A tuberculose(TB) miliar é uma enfermidade de extrema gravidade, decorrente de importante grau de comprometimento do sistema imunológico, resultando em uma disseminação hematogênica com agressão de múltiplos órgãos, presente em até 10% de pacientes HIV positivos. Esta apresentação é significativamente mais freqüentes entre os casos de tuberculose em presença da AIDS.(1)

OBJETIVO: Relatar o caso de paciente com TB miliar e ganglionar HIV positivo.

RELATO DO CASO: Homem de 41 anos queixa-se de inapetência, febre vespertina diária, sudorese noturna, tumefação em região cervical, perda ponderal de aproximadamente 3,5kg, dispnéia aos grandes e médios esforços e diarréia aquosa iniciados há 3 meses. Relata Relata gonorréia tratada há 1 ano. Etilista social, tabagista e usuário de cocaína há 20 anos. Ao exame: fácies de doença consumptiva, desidratado 3+/4+, hipocorado 3+/4+, taquipnéico, febril ao toque. Candidíase oral extensa e múltiplos gânglios palpáveis em cadeias cervicais anteriores e posteriores, submandibulares, submentoniana, axilares e inguinais, com aproximadamente 2 cm, indolores,móveis,superficiais, sem sinais flogísticos, flutuação ou fistulização. Diversos gânglios com 3 cm, endurecidos, aderidos a planos profundos, sem sinais flogísticos em cadeias cervicais posteriores e supraclaviculares. Aparelho respiratório: MVUA com roncos difusos. Hipóteses diagnosticas à admissão: Síndromes consumptiva e febril associadas à adenomegalia generalizada a esclarecer. Exames solicitados à admissão evidenciaram: anemia microcítica (VCM: 66,4) e hipocrômica (HCM: 22,1), com linfopenia, VHS 75 mm. Radiografia de tórax revela opacidades reticulo micro-nodulares difusas e cavitação de parede delgada em ápice de hemitórax esquerdo (foto 1).

A pesquisa de BAAR no escarro em 3 amostras foi positiva; Biópsia do linfonodo de cadeia cervical evidenciou área de necrose do tipo caseosa circundada por infiltração linfohistiocitária (foto 2).  Teste ELISA para HIV reator,confirmado atrás de imunofluorescência indireta e Western-blot. Baseados na história clínica, exame físico e exames complementares preliminares iniciamos a terapêutica com uso de nistatina tópica, sulfametoxazol-trimetoprim, esquema RIPE e hemotransfusão, considerando como hipóteses diagnósticas a pneumocistose e TB miliar/ganglionar associadas à possível imunodepressão pelo HIV. Paciente evoluiu com candidíase refratária ao tratamento tópico e quadro de anemia normocítica-normocrômica, sendo prescrito fluconazol 150 mg – dia e nova hemotransfusão. Após 12 dias diante da persistência do quadro de candidíase oral a dose de fluconazol foi ajustada para 300 mg- dia, durante 14 dias. 
Após 21 dias de uso do esquema RIPE a pesquisa de BAAR no escarro foi negativa, a radiografia de tórax evidenciava opacidades micronodulares dispersas por ambos campos pulmonares, porém com melhora evolutiva (foto 3), confirmando a eficácia do tratamento. Decorridos 34 dias do início do esquema RIPE iniciamos a terapia antirretroviral com AZT + 3 TC + Efavirenz. Após 66 dias de internação hospitalar paciente apresentava-se afebril, com ganho ponderal de 9 kilogramas, normorexia, diminuição progressiva de gânglios palpáveis e controle de lesões orais. Recebeu alta do Serviço com encaminhamento à unidade de saúde da família para acompanhamento.

CONCLUSÃO: Quando TB doença é diagnosticada em pacientes HIV positivos o regime de tratamento anti-TB deve ser iniciado imediatamente. Esta abordagem promove morte rápida do bacilo da tuberculose, impede o surgimento de resistência a fármacos, e diminui o período de contágio (2). Chamamos atenção para o diagnóstico eminentemente clínico da síndrome da imunodeficiência adquirida, ratificando que a terapia anti-retroviral não representa uma emergência.

REFERÊNCIAS:

1- KERR-PONTES, Ligia R. S.; OLIVEIRA, Fabíola A. S.  and  FREIRE, Cristina A. M.. Tuberculose associada à AIDS: situação de região do Nordeste brasileiro. Rev. Saúde Pública [online]. 1997, vol.31, n.4, pp. 323-329. ISSN 0034-8910.  http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89101997000400001. 

2- Guidelines for Prevention and Treatment of Opportunistic Infections in HIV-Infected Adults and Adolescents. March 24, 2009 / 58(Early Release);1-198.
http://www.cdc.gov/mmwr/preview/mmwrhtml/rr58e324a1.htm?s_cid=rr58e324a1_e   

Trabalho apresentado no VIII Congresso de Clinica Médica do Estado do RJ

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

ABDÔMEN AGUDO



quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Tuberculose ganglionar com extensão cutânea (escrofuloderma)

Masculino 22 anos natural da Guatemala notou há quatro meses aumento de volume progressivo na região cervical direita. Não relatava história recente de tosse ou febre.
O exame físico revelou linfadenopatia submandibular direita onde havia sinais inflamatórios presente e fistula cutânea próxima a região submentoniana com drenagem de secreção. Foi realizada punção aspirativa por agulha fina que revelou conteúdo cístico. Foi iniciado clindamicina empiricamente, mas o processo inflamatória progrediu com aumento da massa e do eritema.
Teste cutâneo para tuberculose (PPD), foi positivo (maior que 20 mm).
O teste sorológico para o vírus da imunodeficiência humana foi negativo.
A tomografia computadorizada mostrou massa multilobulada de partes moles e lesões ao longo da glândula submandibular direita e superficial à glândula parótida direita. Na cultura do aspirado cresceu Mycobacterium tuberculosis . Feito o diagnóstico de linfadenite tuberculosa com extensão cutânea (escrofuloderma) foi iniciada terapia antituberculose no paciente. Ele completou 6 meses de tratamento e posteriormente foi perdido para seguimento. A escrofuloderma ocorre quando a pele torna-se envolvida por extensão direta de uma infecção tuberculosa subjacente (geralmente linfadenite). Embora incomum escrofuloderma deve ser considerado em casos de linfadenite persistente, particularmente quando há extensão cutânea em pacientes provenientes de países onde a tuberculose é endêmica.

Cynthia DeKlotz, M.D.Timothy DeKlotz, M.D.Georgetown University Hospital–Washington Hospital Center, Washington, DC

Referência:
n engl j med 366;23 nejm.org june 7, 2012

Informações adicionais:
Tuberculose CutâneaDescrição
Doença infecciosa causada por bacilo álcool ácido resistente cuja principal forma clínica é a pulmonar mas que pode se manifestar também com lesões cutâneas. Essas tanto podem ser decorrentes de colonização do agente (bacilíferas) como de processo de hipersensibilização de foco tuberculoso ativo – tuberculides (abacilar ou paucibacilar. Os tipos clínicos de resposta a esta infecção são variadas assim como as lesões cutâneas. Primo infecção da tuberculose na pele é muito rara; caso aconteça desenvolve-se o complexo primário tuberculoso e a lesão local é denominada de Cancro tuberculoso que surge três a quatro semanas após a inoculação, caracterizada por pápula, placa ou nódulo que evolui cronicamente para ulceração e fistulização (abcesso frio), com ou sem linfangite. A tuberculose secundária ocorre em indivíduo previamente infectado, tuberculino positivo e com certo grau de imunidade, apresenta-se sob a forma de Lupus vulgar que são lesões que se iniciam por mácula, pápula ou nódulo de cor avermelhada e consistência mole, que coalescem resultando em placas infiltradas circulares que evoluem para atrofia central. Localizam-se em face e mento com ou sem invasão da mucosa oral. Escrofuloderma é a forma cutânea mais comum em nosso meio, em geral no pescoço, e resulta da propagação à pele de lesões tuberculosas de linfonodos ou ossos, eventualmente de articulações ou do epidídimo. A tuberculose verrucosa ocorre em pacientes previamente sensibilizados e que têm inoculação na pele. Tuberculose cutânea conseqüente ao BCG apresenta-se sob a forma de lesões não específicas tais como erupções exantemáticas, eritema nodoso, reações eczematosas, granulosas, cistos epiteliais e cicatrizes queloidianas Já as lesões causadas diretamente pelo bacilo atenuado apresentam-se semelhantes ao cancro tuberculoso, Lupus vulgar ou escrofuloderma, e as manifestações podem surgir após meses ou anos no local da vacinação. Eritema Indurado de Bazin: verdadeira tuberculide, caracterizado por processo nodular nas pernas podendo relacionar-se a tuberculose. Há recomendação recente que paciente com TB extra-pulmonar deve realizar sorologia para HIV.

Fonte: Ministério da Saúde - Secretaria de Políticas de Saúde - Departamento de Atenção Básica - Área Técnica de Dermatologia Sanitária - Dermatologia na Atenção Básica de Saúde - Cadernos de Atenção Básica Nº 9
http://saude.pr.gov.br/ftp/Hanseniase/guiafinal9.zip ou http://www.pdamed.com.br/downloads/guiafinal9.zip .

segunda-feira, 23 de abril de 2012

COCAINA E COMPLICAÇÕES CARDIOVASCULARES

Revista Brasileira de Terapia Intensiva
Print version ISSN 0103-507x




Rev. bras. ter. intensiva vol.18 no.4 São Paulo Oct./Dec. 2006




RELATO DE CASO
Complicações cardiovasculares em usuário de cocaína. Relato de caso



Cardiovascular complications related to cocaine use. Case report



Fernanda Martins GazoniI; Adriano A. M. TruffaII; Carolina KawamuraIII; Hélio Penna GuimarãesIV; Renato Delascio LopesIV; Letícia Vendrame SandreIV; Antonio Carlos LopesV



IMédica Especializanda da Disciplina de Clínica Médica da UNIFESP
IIGraduando de Medicina da Universidade São Francisco, Bragança Paulista
IIIMédica Residente da Disciplina de Clínica Médica da UNIFESP
IVMédico Assistente da Disciplina de Clínica Médica da UNIFESP
VProfessor Titular da Disciplina de Clínica Médica da UNIFES






RESUMO



JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:



A cocaína é uma droga ilícita amplamente utilizada e o seu uso tem sido associado a efeitos decorrentes da toxicidade aguda e crônica em praticamente todos os órgãos, particularmente no sistema cardiovascular. Este artigo visou descrever um caso de cardiomiopatia em paciente jovem usuário
crônico de cocaína.



RELATO DO CASO:



Paciente do sexo masculino, 19 anos, usuário de cocaína por inalação e crack desde os 15 anos de idade.
Foi internado em fevereiro de 2006 devido a dispnéia progressiva aos mínimos esforços e expectoração sanguinolenta. Ao exame físico apresentava edema nos membros inferiores, estase jugular e dispnéia em repouso. Foram observados no ecocardiograma: dilatação das quatro câmaras cardíacas, com hipocinesia difusa de ventrículo esquerdo (VE), trombo mural em VE de 17 mm e fração de ejeção de
12%. Realizada broncoscopia pulmonar que identificou sangramento em língula ativo, tratado com embolização. Após 48h do procedimento, o paciente manteve-se assintomático e sem expectoração sanguinolenta. Iniciado tratamento antitrombótico com warfarina e enoxaparina. A cineangiocoronariografia não evidenciou lesões obstrutivas e o paciente recebeu alta após melhora clínica.
Re-internado em julho de 2006 com dor precordial de forte intensidade e dispnéia de repouso. Nova cineangiocoronariografia evidenciou oclusão de terço médio da artéria descendente anterior.



CONCLUSÕES:



Os efeitos agudos da cocaína freqüentemente motivam atendimento de emergência. Já as suas manifestações crônicas, como as doenças cardiovasculares, podem produzir alterações de difícil correlação futura ao seu consumo prévio. O uso prolongado da cocaína está relacionado à alteração da função sistólica ventricular esquerda por hipertrofia ou dilatação miocárdica, aterosclerose, disritmias cardíacas, apoptose de cardiomiócitos e lesão simpática.



Unitermos:
cocaína, doença cardiovascular, doença pulmonar







SUMMARY



BACKGROUND AND OBJECTIVES:



Cocaine is the most commonly used illicit drug and its acute and chronic effects are related to a variety of physiological changes, mainly in the cardiovascular system. This study is a case report of a patient with cardiomyopathy related to cocaine use.



CASE REPORT:



A 19 year old men, who has been using cocaine and crack since 15 years old, was admitted to
the emergency department (ED) in February 2006 with progressive dyspnea during minimal efforts and bloody expectoration. During the physical exam it was observed legs edema, jugular stasis and dyspnea at rest. The echocardiogram demonstrated left ventricular hypocinesia, a 17 mm ventricular thrombus and a 12% ejection fraction. A bleeding from the left upper lobe was identified during a pulmonary bronchoscopy which was treated with arterial embolization. After 48h of the procedure, the patient was asymptomatic and an antithrombotic treatment with warfarin and enoxaparin was started. No obstruction was found at the cineangiography and the patient was discharged after clinical improvement. The patient was admitted again to the intensive care unit in July with intense chest
pain and dyspnea at rest. A new cineangiography was performed and it was observed occlusion in the anterior descendent coronary artery.

CONCLUSIONS:



The cocaine acute effects are commonly seen at the ED but the chronic effects, as the cardiovascular manifestations, can take longer to be correlated as a side effect of cocaine use. Its prolonged use is related to left ventricular systolic dysfunction due to hypertrophy or myocardial dilation, atherosclerosis, arrhythmias, myocyte apoptosis and sympathetic damage.



Key Words:
cocaine, cardiovascular disease, pulmonary disease







INTRODUÇÃO



Os relatos de uso da cocaína datam de mais de 1200 anos, quando os nativos sul-americanos dos
Andes usavam a folha da Erythroxylon coca, por suas propriedades estimulantes¹. A cocaína é encontrada em duas formas distintas: alcalóide purificado, base livre, e o sal de hidrocloreto¹; seu uso tem sido associado a efeitos decorrentes da toxicidade aguda e crônica em praticamente todos os
órgãos, particularmente no sistema cardiovascular.


A cocaína é também a droga ilícita que mais comumente motiva atendimentos em serviços de
emergência, além de ser a principal causa de óbito.


Existem evidências de que a cocaína, em indivíduos susceptíveis, poderia produzir alterações
miocárdica e vascular de difícil correlação futura como a provável causa da doença cardíaca, aterosclerose ou hipertensão arterial e vários mecanismos são sugeridos para explicar seus efeitos colaterais, dentre eles o vasoespasmo coronariano, o aumento da agregação plaquetária e do trabalho cardíaco, e a ação tóxica direta no miocárdio e nas coronárias.



Este artigo visou relatar aspectos cardiovasculares de um jovem usuário crônico de cocaína e
apresentar uma breve revisão bibliográfica sobre as complicações cardiovasculares decorrentes do seu uso.



RELATO DO CASO



Paciente do sexo masculino, 19 anos, negro, solteiro, natural e procedente de São Paulo, sapateiro. Em 15 de fevereiro de 2006 deu entrada no PS-HSP com quadro clínico de tosse com hemoptóicos; duas semanas antes da admissão havia iniciado quadro de fraqueza, hiporexia e dispnéia progressiva que se acentuou para mínimos esforços e em repouso. Negava doenças prévias ou uso de medicações; no entanto, relatou uso de maconha, cocaína inalatória e crack desde os 15 anos, tabagista 2 anos/maço e etilista social. Negou uso de drogas injetáveis. Ao exame físico apresentava dispnéia em repouso, estase jugular, hemoptise e edema nos membros inferiores. PA 100 x 70 mmHg e FC 140 bpm. SpO2 em ar ambiente 97%. Gasometria arterial pH 7,39, pCO2 18, pO2 57, Bic 11, BE -12, Sat 90%. ECG taquicardia sinusal. A radiografia de tórax evidenciou infiltrado alveolar em área de língula e o ecocardiograma demonstrou o átrio esquerdo com aumento moderado, átrio direito com aumento leve a moderado, ventrículo esquerdo com importante dilatação, ventrículo direito com dilatação moderada e hipocinesia difusa, disfunção sistólica importante, disfunção diastólica, insuficiência mitral leve a moderada, insuficiência tricúspide leve a moderada, pressão sistólica pulmonar de 54 mmHg, trombo mural em VE e parede septal apical medindo 17 mm, fração de ejeção de 12%.


Foi realizada broncoscopia pulmonar que identificou sangramento em língula ativo, tratado com
embolização. Após 48h do procedimento, o paciente manteve-se assintomático e sem expectoração sanguinolenta. Iniciado tratamento antitrombótico com warfarina e enoxaparina.


Realizou-se também cineangiocoronariografia que não evidenciou lesões obstrutivas.


Recebeu alta hospitalar no final de março para acompanhamento ambulatorial.


Apresentava-se assintomático e fazia uso de warfarina (1 comprimido/dia), propranolol (10 mg) a
cada 8 horas, captopril (25 mg) a cada 8 horas, espironolactona (25 mg) 1 vez ao dia e furosemida (20 mg) pela manhã.



Em 25 de julho de 2006 foi readmitido no PS-HSP com dor precordial em aperto sem irradiação e
dispnéia de repouso de início recente (menos de 6h). Referia também dispnéia
paroxística noturna e tosse seca. PA 120 x 85 mmHg, FC 96 bpm e FR 36 irpm.
O
eletrocardiograma apresentou supradesnivelamento do segmento ST de cerca de 3 mm
nas derivações de V2 a V6.
A tabela 1 demonstra os principais resultados de indicadores de lesão miocárdica. Foi encaminhado para exame de cineangiocoronariografia que evidenciou oclusão de terço médio da artéria descendente anterior (figura 1).


A angioplastia primária não foi capaz de reverter a obstrução coronariana (figura 2);a ventriculografia demonstrou comprometimento contrátil global grave (figura 3).Tratado clinicamente com enoxaparina (60 mg) a cada 12 horas, AAS 100 mg ao dia, digoxina (0,25 mg) ao dia, carvedilol (12,5 mg) a cada 12 horas, furosemida (1 comprimido/dia) e sinvastatina (20 mg) ao dia.O ecocardiograma
realizado dois dias após a internação evidenciou aumento moderado de câmaras cardíacas direita e de átrio direito, ventrículo esquerdo dilatado em grau importante, ventrículo esquerdo com alteração contrátil por acinesia anterior, inferior e septal, disfunção diastólica de ventrículo esquerdo importante(padrão restritivo), refluxo na valva mitral de grau leve a moderado, pressão sistólica pulmonar de 45 mmHg e fração de ejeção de 20%. Após duas semanas de internação, o paciente recebeu alta da UTI para a enfermaria após importante melhora clínica, fazendo uso de furosemida (20 mg) por via venosa de 12/12h, carvedilol (12,5 mg) a cada 12 horas, digoxina (0,25 mg) ao dia, AAS (100 mg) ao
dia, captopril (12,5 mg) a cada 8 horas e monocordil (20 mg) às 8 e 14h. Durante a internação na enfermaria evoluiu com parada cardiorrespiratória em assistolia não revertida com sucesso, evoluindo para óbito.
















DISCUSSÃO



A cocaína é um alcalóide extraído da folha da Erythroxylon coca; pode ser encontrada em duas formas: sal de hidrocloreto e "base livre". A primeira pode ser usada por via oral, venosa ou intranasal; a "base livre" é a mistura da cocaína com a amônia e o bicarbonato de sódio, usada para fumar e mais conhecida como crack, considerada a forma mais potente da droga.¹


A cocaína foi usada farmacologicamente por séculos; acredita-se que originalmente utilizada por
indígenas sul-americanos que mastigavam as folhas. Os incas, por exemplo, acreditavam que a folha da coca fosse um presente do deus Sol e a usavam durante suas cerimônias. O primeiro uso medicinal da cocaína na Europa é datado de 1884, como um anestésico local para cirurgia ocular. Atualmente seu uso farmacológico é aprovado como anestésico local tópico na mucosa nasal, oral ou cavidade
laríngea¹,2.


A cocaína quando inalada é absorvida rapidamente pelos vasos pulmonares e atinge a circulação
cerebral em aproximadamente 6 a 8 segundos, produzindo intensa euforia; tem meia-vida plasmática curta em torno de trinta a noventa minutos. As maiores concentrações da droga são encontradas no cérebro, no baço, rins e no pulmão3,4.


A cocaína, por bloquear a retirada de norepinefrina dos terminais pré-sinápticos, pode aumentar
significativamente a freqüência cardíaca, a pressão arterial e a resistência vascular sistêmica. Adicionalmente, a cocaína aumenta a concentração de cálcio nos miócitos por estimulação dos receptores beta e alfa-adrenérgicos, facilitando a utilização de cálcio pelo complexo de proteína
troponina-actina-miosina4. Assim, a contratilidade miocárdica pode aumentar. Com o aumento da freqüên-cia cardíaca, da contratilidade e da pressão arterial ocorre aumento significativo do consumo miocárdico de oxigênio, acima da capacidade de suprimento pelas coronárias4,5.


As causas das cardiomiopatias difusas associadas ao uso da cocaína são secundárias mais ao
excesso de catecolaminas do que a um efeito tóxico per si. O uso prolongado de cocaína também está relacionado a hipertrofia ventricular esquerda, a cardiomiopatia dilatada, a aterosclerose, a disritmias crônicas e a apoptose do cardiomiócito4.


A hipertrofia ventricular esquerda e a alteração segmentar da motilidade da parede miocárdica são resultados em 54% e 21%, respectivamente dos ecocardiogramas de usuários assintomáticos4. A função sistólica ventricular esquerda pode ser afetada pela isquemia induzida por estimulação simpática repetida levando a taquicardia, cardiomiopatia e a alterações microscópicas subendoteliais durante
a contração. A fibrose miocárdica e a aterosclerose acelerada são os principais fatores que contribuem para a disfunção miocárdica de longo prazo4.


Estudos em animais demonstraram que a cocaína altera a produção de citocina endotelial e
leucocitária, induzindo alteração em genes responsáveis por mudança na composição do colágeno e da miosina miocárdica e induz apoptose de miócitos6. Um outro possível mecanismo para esses efeitos seria a deteriorização da cocaína, ou dos seus metabólitos, na função sistólica ventricular por alterarem a demanda e acoplamento do cálcio aos miócitos6. Adicionalmente, está comprovado que a cocaína aumenta a quantidade de catecolaminas circulantes e miocárdica, e isso levaria ao aumento
de radicais livres que predisporiam ao desenvolvimento de cardiomiopatia, formação aterosclerótica e vasculite4,7.


A depressão da função ventricular esquerda também pode ser explicada pela ação direta inotrópica negativa por bloqueio de canais de sódio4, desta forma a cocaína é capaz não só de bloquear o início e a condução do estímulo elétrico mas também a contração e a excitação. Os efeitos simpaticomiméticos da cocaína são alcançados por bloqueio da retirada das catecolaminas pelos terminais pré-sinápticos dos nervos. Com isso, há um acúmulo de catecolaminas e aumento da estimulação no receptor2.


O efeito inicial da cocaína nas artérias coronarianas é de vasodilatação com redução de 13% a 68% na
pressão de perfusão coronária1. Esta vasodilatação se resolve rapidamente e é seguida por vasoconstrição que está associada a redução de 5% a 20% no diâmetro da artéria coronária no epicárdio1.O espasmo coronariano é importante causa de disfunção miocárdica causada pela cocaína,
apesar de ter sido documentada em poucos casos por angiografia coronariana; na maioria dos casos sua documentação ocorre por alterações eletrocardiográficas como a elevação do segmento ST e a inversão da onda T.


O mecanismo do vasoespasmo ainda é motivo de discussão em diferentes trabalhos; alguns estudos
demonstram que os receptores alfa-adrenérgicos nos vasos coronarianos, particularmente no seio coronário, são ativados por excitação simpática central induzida pela cocaína, levando ao vasoespasmo. Também é citado que, após o uso de cocaína há um influxo aumentado de cálcio para a célula, aumento na produção de endotelinas e redução na produção de óxido nítrico, o que levariam à vasoconstrição¹,7,8-11 .


Em adição ao aumento do cronotropismo e da vasoconstrição existem evidências de que a cocaína
também aumenta a viscosidade sanguínea e propicia a formação de trombos e o aumento da agregação plaquetária.


A cocaína aumenta o número de plaquetas circulantes ativadas, a agregação plaquetária e a produção
de tromboxano. O vasoespasmo coronariano pode causar lesão endotelial, ainda que leve a moderada, promovendo sobre ela a aderência, a agregação plaquetária e a formação de trombos; as plaquetas ativadas liberam fator de crescimento do músculo liso que produz a sua proliferação nas artérias coronárias contribuindo para a sua obstrução.


A cocaína também interfere na lise dos coágulos por aumento da atividade do inibidor tecidual
plasmático do ativador do plasminogênio. Desta forma o uso da cocaína também tem
sido relacionado ao aumento da formação aterosclerótica e de trombos.


A cocaína induz diretamente defeitos estruturais na barreira endotelial com aumento subseqüente
da permeabilidade à peroxidase e às lipoproteínas de baixa densidade e altera a função inflamatória e imune. A IL-6 e o TNF-alfa estão aumentados após o uso da cocaína e ambos estão implicados na formação da placa aterosclerótica. As necropsias de usuários de cocaína revelam que jovens com idade média de 32 anos apresentavam placas ateroscleróticas em 30% a 40% dos casos6,12,13.


Adicionalmente, os efeitos cardiovasculares não isquêmicos associados ao uso da cocaína incluem as
disritmias e hipertensão arterial. A cocaína, como já citado, pode alterar a geração e a condução dos impulsos cardíacos e, como os agentes simpaticomiméticos, pode aumentar a irritabilidade e diminuir o limiar para fibrilação. Há inibição da geração e condução do potencial de ação por bloqueio dos canais de sódio e aumento na concentração intracelular de cálcio, o que pode induzir a disritmias cardíacas e redução da atividade vagal.


O aumento da freqüência cardíaca e da pressão arterial sistêmica que acompanha o uso da cocaína pode induzir a lesões valvar e vascular e predisposição à agressão bacteriana. Contrariamente, a endocardite causada por outras drogas, a endocardite por cocaína mais freqüentemente acomete as valvas do lado esquerdo do coração.


O uso da cocaína está associado a alterações na estrutura miocárdica incluindo bandas contráteis,
necrose focal dos miócitos, infiltrado de células inflamatórias e alterações ultra-estruturais que incluem disfunção miofibrilar distribuídas difusamente, vacuolização sarcoplasmática, fibrose, alterações mitocondriais e lesões em cardiomiócitos. Em necropsias de pacientes usuá–rios crônicos de cocaína
geralmente se encontram anormalidades de cardiomiócitos e miocardite2. O aumento na concentração de catecolaminas faz com que alguns miofilamentos cardíacos se entrelacem produzindo uma massa amorfa de miofilamentos que é incapaz de se contrair. Essas massas conhecidas como bandas
contráteis miocárdicas formam o substrato anatômico para disritmias cardíacas de reentrada e morte súbita2.


A dor torácica é a principal queixa dos usuários de cocaína quando procuram o serviço de emergência
e por isso pacientes com dor torácica não traumática devem ser questionados a respeito do uso da droga. Aproximadamente metade dos pacientes com infarto agudo do miocárdio (IAM) relacionado ao uso da cocaína não tem nenhuma evidência de doença coronariana aterosclerótica na angiografia. O risco de infarto agudo do miocárdio aumenta 24 vezes, 60 min após o uso da cocaína em pessoas que são consideradas de baixo risco e parece que a ocorrência do IAM não está relacionada com a quantidade usada, a via de administração ou a freqüência do uso¹,2,14.


Outros efeitos adversos da cocaína em diferentes órgãos são rabdomiólise e insuficiência renal,
hepatotoxicidade e toxicidade pulmonar.


Um breve relato de manifestações pulmonares causadas pelo uso da cocaína descreve que estas podem
ser imunomediadas, por alterações hemorrágicas, por edema agudo de pulmão, por broncoespasmo, entre outras. As imunomediadas estão relacionadas a pneumonite de hipersensibilidade caracterizada por febre, dispnéia, sibilos e tosse produtiva.
Sangue e eosinofilia broncoalveolar estão presentes. Adicionalmente, infiltrado intersticial e alveolar difuso nos pulmões são vistos nas radiografias de tórax.
O broncoespasmo pode ser provocado por ação direta da droga. A cocaína pode diretamente danificar as células epiteliais brônquicas, expondo e estimulando os receptores vagais, levando a broncoconstrição e tosse. A cocaína aumenta a temperatura e a concentração de hidrogênio no lúmen do brônquio aumentando a hiper-reatividade brônquica e a hipersecreção. A hemorragia e o sangramento pulmonar oculto são encontrados freqüentemente em usuários de cocaína. A hemoptise ocorre em 6% a 26% dos usuários de cocaí–na. A cocaína pode causar vasoconstrição pulmonar e brônquica, isquemia e hemorragia alveolar e intersticial. Pode ocorrer edema pulmonar agudo de causas cardiogênica ou não cardiogênica. A não cardiogênica ocorre por ação direta da droga que aumenta a
permea-bilidade endotelial capilar e a cardiogênica é proveniente da falência do ventrículo esquerdo, ocasionada pelo aumento da resistência vascular periférica e pela incapacidade de manter um débito cardíaco adequado devido aos efeitos simpáticos da droga4.



CONCLUSÃO



A cocaína é uma droga ilícita, mas amplamente utilizada e seus efeitos agudos freqüentemente
motivam atendimento de emergência. Já as suas manifestações crônicas, como as doenças cardiovasculares, podem produzir alterações de difícil correlação ao seu consumo prévio. O uso prolongado da cocaína está relacionado à alteração da função sistólica ventricular esquerda por hipertrofia ou dilatação miocárdica, aterosclerose, disritmias, apoptose de cardiomiócitos e lesão simpática. A cocaína estimula os receptores beta e alfa-adrenérgicos levando ao aumento do
inotropismo cardíaco e, conseqüentemente, do trabalho cardíaco. Adicionalmente, com estímulo dos receptores alfa-adrenérgicos nas coronárias, há aumento da resistência vascular coronariana e redução do fluxo sangüíneo. Como conseqüência do elevado número de usuários de cocaína, efeitos adversos dessa droga devem ser considerados para diagnóstico diferencial de eventos isquêmicos agudos e de
complicações crônicas cardiovasculares principalmente em pacientes jovens.



REFERÊNCIAS



01. Pozner CN, Levine M, Zane R - The cardiovascular effects of cocaine. J Emerg Med, 2005;29:
173-178.


02. Knuepfer MM - Cardiovascular disorders associated with cocaine use: myths and truths.
Pharmacol Ther, 2003;97:181-222.


03. Warner EA - Cocaine abuse. Ann Intern Med, 1993;119:226-235.


04. Boghdadi MS, Henning RJ - Cocaine: pathophysiology and clinical toxicology. Heart Lung,
1997;26:466-485.

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Como citar este artigo:


Electronic Document Format(Vancouver)


Gazoni Fernanda Martins, Truffa Adriano A. M., Kawamura Carolina, Guimarães Hélio Penna, Lopes Renato Delascio, Sandre Letícia Vendrame et al . Complicações cardiovasculares em usuário de cocaína: relato de caso. Rev. bras. ter. intensiva [serial on the Internet]. 2006 Dec [cited 2012 Apr 23] ; 18(4): 427-432. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-507X2006000400019&lng=en. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-507X2006000400019.



Endereço para correspondência:
Dra. Fernanda Martins Gazoni
Av. Aratãs nº 284/82 – Moema
04081-001 São Paulo, SP


terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

ANAMNESE: PRINCÍPIOS BÁSICOS E IMPORTÂNCIA CLÍNICA

domingo, 22 de janeiro de 2012